A Floresta das Árvores Retorcidas – Alexandre Callari

Por José Eduardo Ribeiro Nascimento

capa do livro

Conheço o Pipoca e Nanquim há bastante tempo. O canal do Youtube me foi apresentado por meu irmão, Reinaldo, e passamos a acompanhar o trio desde antes deles se tornarem editores de quadrinho. De editores passaram a empresários, quando fundaram sua própria editora, começando então a publicar quadrinhos e livros. Comecei esse preâmbulo apenas para evidenciar que sou grande fã dos três: Alexandre Callari, Bruno Zago e Daniel Lopes, inclusive, quando eles anunciaram a criação da editora, comprei os dois primeiros volumes (Espadas & Bruxas, de Esteban Maroto, e Cannon, de Wallace Wood) em pré-venda, já com o intuito de ajudá-los nessa nova empreitada.

O Autor

Alexandre Callari é um figura. Grande colecionador de quadrinhos desde a infância (atualmente deve ter mais de 20 mil volumes em sua coleção), tem inúmeros episódios impressionantes em sua vida, como faixa preta em algumas artes marciais, viajar pela Europa com uma banda de metal, publicar livros na área de educação, traduziu diversos livros, etc., e mais recentemente foi editor de quadrinhos na Panini/Mythos editora. Há alguns vídeos do canal gravados unicamente para falar sobre sua impressionante trajetória de vida. Inclusive esse não é o primeiro livro de ficção do Alexandre, tendo já escrito e publicado uma trilogia sobre Zumbis (que não li).

Fiz essa grande introdução apenas para mostrar que sou admirador do Autor. Essa leitura foi, inclusive uma experiência interessante: ler algo escrito por alguém que “conheço”. Quando foi anunciado a criação do selo originais do Pipoca e Nanquim, o interesse por esse livro foi mais que natural, agravado pelo fato dele ser baseado no universo de Lovecraft, autor que sou grande fã.

Dito isso, qual não foi minha surpresa ao, terminada a leitura, concluir que o livro é muito ruim?

Antes de começar a discorrer sobre isso, deixemos claro que nesse texto falarei sobre tudo que há no livro, então, caso pretenda ler, pare a leitura por aqui. Mais uma coisa: muitos dos itens que descreverei (mas não todos) são questão de opinião. Após minha leitura li e vi algumas resenhas pela internet/youtube, e a maioria das pessoas realmente gostou do livro. Sem mais delongas, vamos ao livro:

Primeira cena chocante. Mas para quê?

Sobre o livro físico, não há muito o que falar. É lindo, muito bem diagramado, e com lindas ilustrações. Minha crítica quanto a essas últimas vão para a forma como elas foram colocadas no livro: sempre em abertura de capítulos. E o problema é que muitas delas descrevem cenas do que irão acontecer, então são sempre spoilers do que virá a seguir. Você já lê sabendo que Zumbis vão aparecer, ou alguém vai ser atacado, etc.

Sobre a escrita do autor: simples e sem rodeios. Por conhecê-lo dos vídeos, em minha cabeça eu ouvia ela narrando a história, principalmente por reconhecer palavras no texto que Alexandre sempre fala nos vídeos. As construções das frases são competentes, e o texto flui bem. Não há rebuscamento desnecessário, e os diálogos são em sua maioria bons. Essa parte não compromete o livro, e eu realmente gostei do que li, texto competente ao contar a história.

O livro conta a história de Adam, um advogado recém divorciado (a esposa, junto do seu filho, o pegou transando com a secretária), acabou perdeu o emprego (a empresa era do pai de sua ex-esposa), que, obrigado a se afastar do filho, resolve passar uma temporada de reclusão, mudando-se então para uma pequena cidade do interior (passa-se no Brasil), cujo nome não é mencionado, mas que os habitantes chamam de Arkham. Essa cidade, como o nome denuncia, é povoada por mistérios lovecraftianos.

No vídeo de lançamento, o pessoal da editora mencionou que já no primeiro capítulo havia uma cena pesada, que muita gente já vinha comentando: “como teve coragem de colocar isso no livro?”, então minha curiosidade estava lá no alto. Enfim, pude conferir a cena.

Adam alugou um apartamento na cidade. Esse apartamento, mais tarde ele descobriu, foi ocupado anteriormente por uma estudante que se embrenhou nos estudos místicos, e acabou cortando os pulsos na banheira. Porém, seu espírito ficou aprisionado naquele espaço, e ela se transformou numa súcubo, espécie de zumbi fantasma (é descrita como tendo pele viscosa, fétida, dentes podres, deixando um rastro de fezes e múcuo etc.), só que com o diferencial de ser muito tarada. Então a primeira cena foi Adam acordar de um sonho erótico com a súcubo lhe fazendo sexo oral. O rapaz, apesar de assustado, não conseguiu evitar a cena, talvez por algum tipo de transe da súcubo, e acabou fazendo sexo com a zumbi, com alguns detalhes nojentos descritos que deixarei para quem leu. É dito que Adam nunca teve tanto prazer na vida.

Quando li isto, pensei: ok, sexo e gore. Espero que nos próximos capítulos seja revelado o sentido disso.

Não foi o que aconteceu.

O personagem então começa a investigar, compra um livro sobre falar com os mortos, o qual ele nunca leu, e depois descobre que todo o prédio se tornou algo como uma entidade maligna, que come corpos, se alimentando de sangue, carne e ossos dos que morrem nele. Nessa parte da leitura eu estava imaginando um desfecho de terror, coisas malignas acontecendo, ele lendo o tal livro, tentando a comunicação com a súcubo e outros espíritos, recorrer a algum ritual, algo do tipo (apenas especulação de leitor), porém Alexandre acabou recorrendo ao Deus Ex Machina.

De onde saiu essa mulher?

Quando chegamos na página 200, o livro abre uma capítulo com uma personagem nova. Uma menina que (resumindo bem) sofreu muito na infância por que derrubou o irmão bebê no chão, e ele acabou morrendo na queda. Daí o pai acabou caindo numa depressão, passou dois anos batendo na esposa, e, num final trágico, matou a esposa e suicidou em seguida. A menina (que presenciou toda a cena) acaba sendo levada para um orfanato, onde é maltratada por outras meninas, acaba dando pro menino do supermercado, é pega, e como punição é lobotomizada.

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Enfim, essa menina, após fazer 18 anos é obrigada a sair do orfanato, e vira moradora de rua. Certa noite recebe a visita de um anjo, que lhe dá uma benção, através de um beijo.

Capítulo encerrado, ficamos sabendo que essa tal menina não é outra senão uma tal vizinha louca do Adam. Uma mulher que vive sabe-se lá de que, mas que tem a mania de invadir a casa dos outros e defecar no sofá. Acontece que, durante a revolta da súcubo, onde ela se irrita por que Adam arrumou uma namorada, invoca alguns zumbis, e começa a tocar o terror no prédio. Atacando os demais moradores, e o sangue corre solto. Iam todos morrer, quando de repente a tal menina lá (hoje uma senhora), aparece no alto da escada, e manda todo mundo embora. Como não foi atendida pelos monstros, faz um sinal de cruz com os dedos, dá um grito, e tudo de mal na casa é exorcizado. Sim. Dessa forma mesmo. As súcubos se foram, o espírito da casa se foi, demais zumbis (essa palavra não é usada no livro em nenhum momento até aqui, estou me apropriando dela para ilustrar) se foram, enfim, a casa está “clean like a whistle”.

E como se isso não bastasse, mais para a frente no livro, ocorre uma invasão de zumbis verdadeiros (voltaremos a isso mais tarde), essa mulher tocada pelos anjos, é atacada e morre mordida pelo zumbi (não sem antes proporcionar uma “cena cômica” onde peida para afastar as mulheres que queriam sua ajuda.

Roteiro de filme anos 80?

Claramente Alexandre se inspirou muito nos filmes B dos anos 80. O clima, as cenas de alívio cômico, e a personificação de um herói, são coisas interessantes. Me incomoda por conta da roupagem lovecraftiniana, pois estes elementos ficaram muito subdesenvolvidos, e muitas vezes sem explicação ou sentido.

Nesses filmes de terror B, dos quais o autor é fã declarado, o roteiro muitas vezes pouco importa. O importante é o perigo, o gore, as cenas de ação, e muitas vezes a nudez feminina bem vinda. E em um filme relevamos isso, pois o propósito é apenas a diversão momentânea. 90 minutos de filme e estamos saciados de entretenimento. Porém, em uma leitura, onde colocamos mais tempo, e paramos para pensar no que estamos lendo, situações sem sentido e mal explicadas incomodam demais. Vejamos alguns exemplos.

1 – Povo subterrâneo: A população da cidade segue um tipo de religião cthulhiana, onde uma das crenças principais é a de que em todo mês de outubro 13 crianças são raptadas e levadas para a floresta das árvores retorcidas. Não se sabe ao certo o que acontece com elas, mas esse sacrifício acontece para aplacar a ira dos Antigos (as entidades cósmicas lovecraftianas), uma forma de evitar que eles venham e dominem tudo. O Povo que vive no subterrâneo são criaturas pouco desenvolvidas, estilo pigmeus ou aborígenes, que tem como único objetivo na vida fazer o sacrifício das crianças no mês de outubro. Isso é especificado no livro. Eles não fazem mais nada na vida: não leem, não escrevem, nada registram, não conversam. Apenas reproduzem, e fazem o ritual do dia 31 de outubro. Porém, quando Adam entra na caverna para resgatar um dos garotos raptados, ele encontra lá dentro apenas 13 indivíduos fazendo o ritual. Demais indivíduos da raça estavam em outro lugar. O objetivo anual deles é apenas esse dia, e a maior parte deles estava dormindo na caverna? Não tem sentido. E pra piorar, depois que Adam invande a caverna e consegue resgatar o menino, acabando com a sequência de talvez séculos em que o ritual das 13 crianças vinham sendo feito, eles simplesmente perderam seu propósito. Ficaram sem saber o que fazer, e não tomaram nenhuma atitude. Simplesmente ficaram olhando de um lado para o outro, até que o próprio Nyrlathotep veio e os matou.

2 – Durante toda a história é dito que um grupo de indivíduos controla todo o culto, e toda a cidade. Porém, eles não entram na história. Mesmo quando Nyarlathotep (criatura dos Mitos de Cthulhu) está presente e tocando o caos, eles não aparecem. É mostrado que se quer eles tinham qualquer relação com o povo do subterrâneo. Pessoas que controlam tudo que acontece na cidade não tinham espiões para ver tudo que Adam e companhia estavam causando, não interferiram em nada. Além disso, uma tal “força invisível do destino” é descrita o tempo todo. Para justificar a pré destinação de Adam, no meio de tanto lugar no mundo, ter parado logo ali, e principalmente para justificar o fato de ele não ter simplesmente ido embora na primeira oportunidade. O narrador só fica falando: ele pensou por quê não ia embora, porém esse pensamento logo saiu da sua cabeça, como se algo estivesse lhe forçando a estar ali (não estou parafraseando). Em determinado momento, inclusive, uma das personagens levanta a questão de ele ser o escolhido para colocar o fim naquilo…

3 – Roberto, reitor da universidade e iniciado nas artes do Necronomicon, indivíduo que, nos é levado a crer, seria o grande vilão da história, ao descobrir que o livro negro profano estava com Adam, decide por em prática o resgate do mesmo (que havia sido roubado). E para isso faz o quê? Compra 6 corpos do hospital e cria zumbis através de uma substância química. Isso mesmo, estamos lidando com criaturas cósmicas e a solução do vilão foi injetar uma substância química nos zumbis, estilo Umbrella corp. Para disfarçar ele usa um feitiço para dar propósito a um dos zumbis, que vira o líder. Para piorar essa escolha de criação de Zumbis, um pouco antes dessa parte é dito que o próprio Roberto enviou uma criatura estranha, uma espécie de clone zumbi de Marcelo (um vizinho de Adam, que havia roubado o livro de Roberto) e esse monstro acaba atacando o grupo (ou seja, Roberto é capaz de fazer magia negra poderosa). Os zumbis invadem o prédio, mas como eles são muito lentos, acabam morrendo nas mãos dos heróis que já estavam esperando algum tipo de ação do vilão. Porém, o tal zumbi líder (o tal zumbi com propósito) acaba se escondendo na plantinha (sim, ficou atrás do vaso de plantas), se esgueirou pra dentro do apartamento de Adam, parou apenas para matar a mulher dos poderes de anjo (aquela Deus ex machina que falei lá em cima), pegou o livro, pulou pela janela e foi embora.

4 – Quando Nyarlathotep finalmente está entre nós, ele começa a pensar no que fazer para tocar o terror. Primeiro invocou todos os corpos que estão em coma no hospital (que supostamente eram corpos vazios, sem alma), e os despertou, culminando numa chacina generalizada. Depois decide soltar sua influência no mundo todo, donde começou a acontecer maldade pra dar e vender. Só que isso é um pandemônio completo num estalar de dedos, quase como se ele estivesse com as luvas do infinito (Thanos ficaria orgulhoso). Num intervalo de talvez horas (forçando muito a barra), que Nyarlathotep solta sua influência, o mundo já está um caos. Os personagens ligam o rádio e conforme vão passando as estações, ficaram sabendo de uma tragédia diferente em cada país: atentado terrorista em Berlim, estupro no Iran, homem bomba não sei onde, chacina no Japão, governo dos EUA declara estado de sítio… (What!?).

Culminamos em um final nada de terror

Enfim, o livro acabou não me passando nenhuma sensação de terror, é muito mais um livro de ação, onde o personagem, no melhor estilo Hard to Die, enfrenta o Nyarlathotep, toma o livro e corre para conseguir encontrar o feitiço de expulsão, perdendo na corrida um sapato, acaba atirando em si próprio acidentalmente, tem a barriga perfurada, costelas quebradas, perna mordida por um cão infernal (e continuamos avançado, afinal o destino da humanidade está em suas mãos)… etc.

Quando meu interesse pelo livro foi despertado, imaginei um livro de terror. Afinal estamos falando de Lovecraft, cujos livros a gente lê e realmente fica incomodado (e não com nojo). Lovecraft dá medo por conta do inominável. Em A cor que caiu do espaço, é dito que algo caiu na terra, e brilha com uma cor que o personagem nunca tinha visto, com um tipo de maldade ou radiação, ele não reconheceu aquela cor, aquilo não existia no espectro terrestre. Lhe desafio a imaginar como era essa cor. Impossível, por isso é estranho, diferente e genial. Outro exemplo, Frank Belknap Long, um dos vários autores que surfou pelos mitos Lovecraftianos, criou a criatura os Cães de Tindalos, que mais tarde foi incorporado ao cânone (o próprio Lovecraft citou as criaturas no conto Um sussurro nas trevas). Essas criaturas malignas habitam os ângulos do tempo, sendo que para nós humanos o tempo descende de uma curva. Agora imagine esse monstro surgindo de um ângulo impossível de ser materializado em nossa realidade circular…

Outra coisa que não gostei foi ver a destruição prometida pelos Antigos acontecendo. Uma coisa é você imaginar que, se o grande Cthulhu despertar, haverá um reino de morte e destruição para toda a humanidade. É aterrorizante. Mas depois que você mostra, não é mais terror, é apenas a realidade elevada a outra potência. É como no filme Cloverfild. Enquanto você está imaginando o monstro, dá medo. Mas depois que ele aparece, é só um filme de monstro gigante.

Últimas considerações…

O livro contém muitos erros de roteiro (conforme citei vários), de continuação, e até um pequeno detalhe do meio dele, que não faz diferença nenhuma e não tem qualquer sentido, me desgastou na leitura já cansada: quando os personagens chegam ao hospital logo após saberem que houve um massacre (eles estavam preocupados com a namorada de Adam, Amanda, que é médica e estava de plantão), os policiais haviam isolado a área, e impediam a entrada de todos. Marcos, o síndico do prédio de Adam, gritou para os policiais: fascistas. (???) Isso não faz nenhum sentido com qualquer traço de personalidade do personagem, não tem nada a ver com a história, além de ser bastante injusto com os pobres policiais que estavam apenas trabalhando (em nenhum momento do livro é mostrado policiais vilões ou tomando decisões malignas, quaisquer coisa nesse gênero. Então a impressão que fica é que a palavra, tão utilizada nos dias de hoje de maneira vã, ficou para agradar parcela de leitores mais politizados (e desagradar outros).

Caso a pessoa busque algo muito “B anos 80”, e não se preocupe com problemas de roteiro (e demais itens que para mim foram um problema), talvez você acabe gostando do livro. Tem ação, sexo, monstros, loiras bonitas e ninfomaníacas, armas de fogo, gore, zumbis, anjos (a impressão que ficou para mim é que Alexandre não se segurou e acabou jogando tudo que ele gosta, tentando encaixar no livro), e muitos itens lovecraftianos. Porém, caso você espere um clima Lovecraft, aquela visão pessimista da humanidade sendo apenas um inseto para grandes seres cósmicos, a nossa pequenez, aquele sentimento que, independente do que se faça, não há salvação… então passe longe d’A Floresta das Árvores Retorcidas.

Nota: 1 de 5.

3 Respostas para “A Floresta das Árvores Retorcidas – Alexandre Callari

  1. Concordo com o Matheus, parabéns pelo trabalho! Espero que consiga prosseguir com as postagens!

    Abraço!

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