Resenha – Nascido para Correr – Christopher McDougall

untitled Por José Leonardo Ribeiro Nascimento

Você corre?

Não? E se eu lhe disser que o ser humano é, como consta no título do livro de Cristopher McDougall, nascido para correr?

Mais do que isso: e se eu lhe disser que nós só somos seres inteligentes, que inventamos o Facebook, o algodão doce e o vaso sanitário e dominamos a terra por causa da nossa capacidade inigualável de correr?

Parece estranho? Mas é essa a premissa do livro Nascido para Correr.

Eu sou um corredor amador, com sérias dificuldades, como a maioria dos corredores amadores, para correr regularmente. Uma viagenzinha, um vacilo, e quando vejo, já estou há três, quatro semanas sem correr, apenas para ter que recomeçar e recomeçar e estar sempre, literalmente, correndo atrás do meu condicionamento físico tão duramente conquistado e tão rapidamente perdido.

Li este livro, de 383 páginas, ontem, praticamente de uma só vez, graças a uma longa viagem a trabalho. A vontade ao terminar o livro é, claro, correr. Correr como nunca, ser mais vigilante em relação à alimentação, ser fiel à proposta de correr cinco dias por semana, correr uma maratona.

Uma pergunta fundamental a respeito de Nascido para Correr é: trata-se de um livro atraente apenas para corredores?

Minha resposta é não e sim. Explico: creio que se trata de uma leitura que encantará a todos, pelo tema amplo (não, não é só sobre corrida), pela história de superação, pela habilidade de Christopher McDougall ao contar sua aventura. Mas, ao mesmo tempo, não tenho dúvidas de que para quem corre, a leitura será absolutamente memorável.

Nascido para Correr conta uma experiência real vivida pelo autor, um jornalista com ligação íntima com o esporte. Ele tinha problemas sérios para correr. Bastavam alguns quilômetros e seus pés doíam, doíam incrivelmente. Depois de visitar os maiores especialistas dos Estados Unidos, ele já estava saturado com a mesma resposta à pergunta “por que meus pés doem?”: porque você corre.

Ele lembrava de uma matéria que ele havia lido numa revista esportiva, que falava sobre a tribo dos Tarahumara, no norte do México, famosa por seus membros serem todos grandes corredores. E por grandes corredores digo grandes corredores mesmo. É trivial para um Tarahumara correr duas maratonas no mesmo dia todas as semanas. Muitos deles correm mais de 100 km como se estivessem indo até a esquina.

Não somente os Tarahumara, mas muitas outras tribos, em todas as partes do mundo, eram conhecidas por fazerem “caçadas de resistência”, ou seja, matar um antílope, um cervo ou seja lá que presa for, de cansaço, correndo atrás do bicho até ele não aguentar mais, o que poderia significar quatro, cinco ou seis horas correndo sem parar, no meio de terrenos acidentados, sob o sol escaldante, sem tênis com amortecedor.

Por que estes seres humanos podiam correr tanto e ele, Christopher, e tantos outros seres humanos do mundo viviam se machucando alegadamente porque corriam?

Christopher vai atrás da resposta, e para isso resolve encontrar os Tarahumara, uma tarefa dificílima, já que eles vivem num lugar inóspito, são mestres na arte de se ocultar e têm a timidez como uma das suas principais características.

Enquanto conta como não apenas encontrou alguns integrantes da tribo, como participou de uma corrida histórica envolvendo os melhores corredores tarahumara e alguns dos melhores ultramaratonista do mundo, o autor vai intercalando a narrativa com colocações precisas, seja para apresentar os “personagens” que vão surgindo na trama (digo personagens, mas são todas pessoas reais, como o lendário “Caballo Blanco”, o casal meio hippie Jenn Shelton e Billy Barnet, ou a lenda das ultramaratonas Scott Jurek), seja para sustentar dois dos seus principais argumentos:

1)      O ser humano nasceu para correr – Há uma série de argumentos científicos transmitidos a partir da história de dois cientistas que desafiaram pontos pacíficos sobre a evolução do ser humano, como o fato de a nossa estrutura física ter mais em comum com os animais que correm (cervos, cavalos, tigres) do que com os animais que andam (porcos, macacos), com o particular que o ser humano tem uma vantagem fundamental em relação aos que correm e aos que andam, que é capacidade de resfriar o corpo, especialmente por meio do suor, e, com isso, se manter correndo por muito, muito mais tempo do que qualquer animal.

2)      Os tênis de corrida são vilões. Correr descalço é melhor – Isso mesmo. Com muitos dados, inclusive contando a história da Nike, o autor defende que correr descalço – ou sem aquelas que são reputadas como as principais funções dos tênis de corrida (amortecimento, o calcanhar mais alto, formato que acompanha e preenche a parte curva da sola do pé) – é a forma correta de usar os pés, que são uma maravilha de design e de funcionalidade. Os tênis, pelo contrário, nos ensinam a correr da forma errada e são eles os responsáveis, em última instância, pela maior parte das nossas lesões.

Mas Nascido para Correr não é só uma tentativa de provar o que vem no título. É também uma saga de superação e autoconhecimento. Para Christopher, correr não é só um hábito saudável, é algo atávico, inerente ao ser humano, que corria em bandos para conseguir alimentos melhores. Correr, diz ele, fazendo eco a muitos outros corredores, nos torna pessoas melhores. E de todos os exemplos que ele dá, o que mais me deixou impressionado foi o do tcheco Emil Zátopec, uma lenda da corrida, o único homem que ganhou, numa mesma Olimpíada (Helsinki, 1952), os 5000m, os 10000m e a maratona, cujo recorde ele quebrou, mesmo tendo sido a primeira vez que ele corria os 42.195 metros. Para saber um pouco mais da nobreza do tcheco, leia o livro.

É claro que Nascido para Correr não seria o mesmo se não fossem os Tarahumara, um povo fascinante não só pela sua capacidade atlética, mas especialmente pela maneira como vivem, sem brigas, traições, inveja ou orgulho. É como se o homem ridículo de Dostoievski tivesse parado não num outro planeta, uma versão alternativa da Terra, mas numa aldeia Tarahumara.

Nascido para Correr é uma leitura empolgante, e prova disso é o fato de que, como já falei, eu li suas 383 páginas num só dia. Não sei se você será convencido de que nós nascemos para correr (eu fui) ou que correr descalço é melhor (eu fiquei na maior vontade de correr descalço na praia), mas que você vai querer, com o perdão do trocadilho, correr pelas páginas do livro sem pressa, divertindo-se, aproveitando a paisagem e, principalmente, sem parar no meio do caminho, disso não tenho dúvidas.

Minha Avaliação:

5 estrelas em 5.

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