Resenha – Crônica da Casa Assassinada – Lúcio Cardoso

cronica

Por Thereza Cristina

A história de “Crônica da Casa Assassinada” se passa no interior de Minas Gerais, no desenrolar do século XX. Naquele momento as famílias tradicionais estavam começando a temer o desenvolvimento urbano, pois tinham receio que essas novas construções oprimissem o brilho e a soberania dos casarões. E por falar em família, a história gira em torno dos Meneses, uma família que praticamente rege a cidade, sendo considerada a “realeza” local. Apesar do jeito petulante, eles estavam em decadência; suas propriedades já não tinham tanto valor. Com isso, uma coisa se torna muito importante para compreender o que Lúcio Cardoso desejava transmitir com sua Crônica: desconfiar de tudo o que você lê, pois a velha chácara dos Meneses contém segredos inimagináveis.

Em meio às fragilidades do momento, Valdo, membro da família Meneses, retorna do Rio de Janeiro. Porém, ele não estava sozinho, trouxe consigo a bela Nina como esposa, para ser a nova habitante da Chácara. Dona de gostos extravagantes e uma beleza extraordinária, ela rapidamente vai atraindo a atenção dos habitantes da região, também devido o seu jeito mais “liberal”. Os Meneses estavam um tanto quanto preocupados, pois manter as aparências de uma família real era imprescindível.

Crônica da casa assassinada fala, de forma não linear, da decadência e fragmentação de uma família mineira burguesa e tradicional. É narrado por várias vozes, incluindo membros da família Meneses e habitantes de Vila Velha, cidade onde vivem. O romance é construído através de cartas, recordações saudosas, diários etc. Com esse tipo de narração, é preciso analisar os detalhes da obra e não acreditar em tudo que se vê/lê. Por exemplo: quando Nina narra a Chácara onde os Meneses vivem, a impressão que se tem é de que está caindo aos pedaços. Os Meneses são descritos como gente que ficou presa no século passado e o local onde vivem também. Mas é preciso levar em conta que Nina estava acostumada ao Rio de Janeiro, uma cidade grande e urbanizada. E como num passe de mágica, ela se vê numa cidade do interior de Minas Gerais, onde tudo parecia enferrujado e empoeirado, sem contar nas recusas dos Meneses para realizar e fazer parte dos raros eventos sociais que ocorriam na cidade.

Falando um pouco mais sobre os personagens, enquanto Nina era a bela moça da cidade grande, Valdo, seu marido, é um legítimo Meneses. Para ele era necessário conservar a imagem e boa aparência do casarão, pois seria de grande valia para o futuro da cidade. A história ainda aborda o homossexualismo, com Timóteo, homossexual assumido. Ele é confinado por Demétrio (seu irmão mais velho e que assume a chefia da família depois da morte de seus pais) num quarto esquecido da casa. Ali Timóteo é “livre” para viver como deseja. A consciência de Timóteo de que um nome não deve ser um fator limitante ou decisivo da sua identidade se choca com o conservadorismo dos irmãos e do restante da cidade, tornando-o prisioneiro do seu próprio eu. Ana, por sua vez, foi educada ao gosto de Demétrio (seu marido e membro real dos Meneses). Desse modo, ela não teve liberdade para pensar e fazer as coisas como queria. Foi criada para ser rígida, usar cores neutras e passar o mais despercebidamente possível. Mas com a chegada de Nina, Ana começa a despertar para sua realidade de submissa aos costumes do marido. Ana é o oposto de Nina, foi tão bem “domesticada” por Demétrio, que ao longo da narrativa ela é vista como um objeto que se funde às paredes da velha casa.

Lúcio Cardoso escreveu uma das obras mais belas e mais impactantes da literatura brasileira. Tratando de temas polêmicos como homossexualismo e o relacionamento incestuoso, o autor rompeu barreiras impostas pela sociedade. Tendo Nina, Valdo e Timóteo Menezes, como personagens principais, esse livro pretende levar o leitor a uma reflexão sobre o certo, o errado e se o imposto pela sociedade é o que deve realmente ser seguido. E cuidado, as aparências enganam! Então até que ponto podemos confiar nelas?

Ah, confesso que eu não morria de amores pela leitura, achava cansativo e sempre me dava sono, mas isso foi até eu descobrir o jeito certo de se ler um livro e fazer parte da aventura, se tornar mais um personagem na história. Quanto à literatura brasileira? Aí é que seria cansativo mesmo, pois na minha visão, só a literatura estrangeira traria aqueles contos ficcionais e que nos fazem viajar. Mas se já tinha adquirido gosto pela leitura, depois de ler a “Crônica da Casa Assassinada”, peguei gosto pela literatura brasileira, que traz costumes típicos do nosso país. É um livro que vale a pena ser lido.

3 Respostas para “Resenha – Crônica da Casa Assassinada – Lúcio Cardoso

  1. Lúcio Cardoso mudou a minha vida, literalmente!
    Este foi um dos livros mais duros que já li – e, por conta disso, um dos mais demorados também…
    Aproveitei e vi a versão cinematográfica dele derivado e, caramba, quase tão excepcional quanto.
    A trama se descortina de forma soberba, por mais que se manifeste o problema de todos os personagens escreverem missivas basicamente no mesmo estilo literário.
    Maravilha de obra.

    Wesley PC>

    • Este é realmente um livro difícil, pesado, pungente, adjetivo que você mesmo gosta de utilizar. Do ponto de vista formal, acho uma incrível vitória de Lúcio Cardoso, prova incontestável de seu talento, justamente o fato de que todos os capítulos, apesar de escritos por tantos personagens diferentes e se tratarem de produtos diferentes (cartas, confissões, testemunhos, depoimentos etc.) são escritos no mesmo estilo literário, que pode até ser considerado bastante formal e ligeiramente rebuscado e, ainda assim, a obra é bem sucedida em envolver o leitor.

      Livro obrigatório que preciso reler.

  2. Primeiramente, parabéns Tereza pelo texto, pela primeira participação no blog. Estamos já no aguardo do próximo 😀

    A respeito do romance, é uma das minhas pendências. Desde a primeira resenha do Léo, fiquei muito curioso para ler. Já coleciono dois romances, pelo menos, que abordam essa temática: famílias importantes decaindo ou famílias problemáticas: Sartoris e O som e a fúria, ambos do gênio Faulkner. Tenho algumas coisas para ler ainda, mas sei que esse romance aqui resenhado não demorará para aparecer aqui novamente 😀

    Boas leituras para nós todos 😀

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