Por José Leonardo Ribeiro Nascimento
19/03/2010
Terminei Luz em Agosto. Faulkner, repito, faz jus à fama de autor complexo. Não se trata de um autor que utiliza a história como pretexto para simplesmente ficar fazendo digressões e análises psicológicas de personagens. A trama é muito bem elaborada, e os personagens são muito bem construídos.
O que mais me impressionou, entretanto, foi a capacidade que Faulkner tem de fazer comparações completamente inesperadas. Há também, não pode ser esquecido, o lado mais “filosófico”. Aquilo que o escritor claramente diz pela boca dos seus personagens.
O Reverendo Hightower, por exemplo, um sujeito amargurado, diz para si mesmo, de certa feita:
“Eu não devia ter abandonado o hábito de rezar”
Cito ainda duas passagens dentre tantas outras brilhantes. A primeira, a seguir, é uma reflexão sobre o que custa ser bom e ser mau:
“Quero dizer como eu disse a você uma vez que existe um preço por ser bom como por ser mau; um custo a pagar. E são os bons que não podem recusar a conta quando ela aparece. Eles não podem recusá-la pela razão de que não há nenhuma maneira de fazê-los pagar. Como um homem honesto jogando. Os maus podem se recusar; é por isso que ninguém espera que eles paguem à vista ou em qualquer outro tempo. Mas os bons não pode. Talvez leve mais tempo pagar por ser bom do que por ser mau.”
A outra é sobre o amor e sobre a vida. Simplesmente genial:
“Apenas pensou com calma: Então isso é o amor. Entendo. Estava errado sobre isso também. Pensando, como pensara anteriormente e pensaria de novo, e como qualquer outro homem pensara: como o mais profundo dos livros se mostra falso quando aplicado à vida.”
09/03/2010
Comprei recentemente este livro, publicado pela Editora Cosac Naify, que assim descreve o romance:
“O terceiro livro de William Faulkner publicado pela Cosac Naify em nova tradução é um romance de arquitetura complexa. A ruptura com a linearidade desconcerta o leitor. O tempo é estilhaçado e é pela valorização dos estilhaços que Faulkner multiplica os pontos de vista, iluminando figuras sublimes e grotescas. Da atmosfera de violência e horror do Mississippi surgem personagens profundamente humanas: o assassino dilacerado pela herança de sangue; a mulher de família abolicionista hostilizada por uma cidade orgulhosa de seu passado escravocrata; o pastor refém de um passado familiar de violência e glória; o brutal defensor da lei; o casal de velhos atormentados pelo fantasma do neto; o homem solitário que pensou estar livre das desgraças, e dos encantamentos, de amar; a jovem decidida e ingênua. Mas a história não termina aí. Toda a maestria da construção de Luz em agosto se confirma no último capítulo, numa reviravolta narrativa que o consagrou definitivamente. O leitor, guiado por Faulkner, encerra o livro em estado de assombro. Viveu intensamente o horror, tomou contato com os recônditos da alma. Percebeu o passado como um inimigo que não dá trégua. Será assombrado por imagens poderosas. Um livro que não tem fim.”
A edição é primorosa, com capa dura e uma tradução bastante elogidada de Celso Mauro Pacionik, pois, segundo pesquisei, traduzir Faulkner é tarefa difícil, e pude confirmar isso pelo que li. Nunca vi alguém usar metáforas tão inesperadas. Este é o meu primeiro contato com o escritor americano, e também me impressiono com a complexidade (e beleza) das suas reflexões, descrições, inferências.
Estou descobrindo o livro ainda, já que li 30% aproximadamente da obra, mas já encontrei passagens memoráveis. A trama traz diversos personagens, mas pelo que vi a figura principal é Christmas, homem branco na aparência mas com sangue negro nas veias, o que era algo que lhe trazia diversos problemas no início do século XX no sul dos Estados Unidos.
A passagem a seguir demonstra um pouco da habilidade de Faulkner para descrever cenas com nuanças psicológicas. Vejam com que maestria ele descreve o momento em que Christmas, ainda menino, vai levar uma surra de seu pai adotivo por não ter decorado as orações:
“Então o menino ficou parado, a calça arriada nos pés, as pernas expostas abaixo da camisa curta. Ele ficou de pé, esguio, preto. Quando a correia desceu, não se esquivou, nenhum estremecimento percorreu o seu rosto. Olhava direto para a frente, com a expressão calma, absorta, como um monge numa estampa. McEachern começou a bater metodicamente, com lenta e deliberada força, ainda sem calor nem ódio. Seria difícil dizer qual dos dois tinha o semblante mais concentrado, mais calmo, mais convicto.”
“Como um monge numa estampa” é algo digno de um gênio.
A passagem a seguir é um pouco depois da surra, quando o menino pensa em fugir. Vejam a crueldade e a inventividade de Faulkner:
“Quando foi pra cama, naquela noite, sua mente estava decidida a fugir. Sentia-se como uma águia: duro, capaz, poderoso, implacável, forte. Mas isso passou, embora ele não percebesse então, como a águia, que sua própria carne bem como todo o espaço era ainda uma gaiola.”
Ler Faulkner tem sido uma excelente experiência, e o que tenho visto tem feito jus à fama do autor.
Terminado Recordações da Casa dos Mortos pretendo ler Morte em Veneza, de Thoams Mann, em seguida voltar ao gênio Stendhal (do qual li O vermelho e o Negro) com A Cartuxa de Parma, para então começar a ler os livros que o Leonardo comprou em Brasilia, dando inicio justamente por esse aqui apresentado tão bem por ele.
Flw, e boa leitura.
Não foram poucas as vezes que você chegou para me dizer que o livro era complicado e abundante em metáforas. O que para muita gente é um motivo para manter distância, isso nos mostra o quanto o escritor nada mais é do que um artista; muito legal.
Não deixe de voltar aqui para fazer mais comentários sobre o livro.
🙂
Parace ser bom mesmo o livro, mas muito triste. Não gosto muito de livros tristes pelo sentimento que eu fico depois que termina a leitura, mas sempre são muito “artísticos” e com lindas (ou feias) histórias.
xD
Também não gosto de livros tristes. Ponho-me numa choradeira que não tem fim. Ainda assim aprecio-os porque no final eles só mostram como é a verdadeira realidade.
🙂
Caramba! estou na página 200 desse livro! e vou te dizer uma coisa: compartilho totalmente o seu comentário: “trechos dignos de gênio”
Eu fico tão empolgado com a genialidade dele, que tenho vontade de comentar com alguém..é brilhante, a forma como é escrito, a carga psicológica dos personagens, é surreal…
Já voltei paginas inteiras após ter lido, apenas para não perder detalhe nenhum! Veja a cada página, porque ele é a inspiração do Garcia Marquez!
Já li o Som e a Fúria, e foi um dos livros mais dificeis e impressionantes…Já virei fã do Faulkner
Realmente Luz em Agosto é genial, Cris. Eu mesmo já passei da hora de reler. Meu irmão, Reinaldo, já leu três vezes.
Faulkner é um mago, um feiticeiro, e é também um dos meus escritores favoritos.
Volte sempre ao blog, visite outros textos, vasculhe, pesquise, comente, sinta-se à vontade!
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Depois de ler a descrição e seus comentários sobre esse livro fiquei extremamente curiosa. Nao vejo a hora de começar a lê-lo.