Os Miseráveis – Victor Hugo

Por José Reinaldo do Nascimento Filho

Os Miseráveis – Victor Hugo – Parte III

Terminei.

Porque Victor Hugo acertou em uma, mas errou em outra.

Na verdade a frase anterior deveria ser: Porque Victor Hugo acertou em algumas, mas errou em outras. Contudo não tenho tempo e espaço, para detalhar os “as vezes que ele “acertou” e “errou”. Foi pensando nisso que escolhi quatro trechos para representar minha afirmação. Vamos a eles: O primeiro, que me é tão próximo, pois sou do curso de História, validou toda a leitura desse belo livro, já que apresenta uma defesa tão pungente daquilo que é tema de pesquisa dos historiadores no presente; enquanto que o os outros três trechos simbolizam a minha “crítica” aos “Miseráveis”.

Prossigamos, então…

Sobre os historiadores:

“O historiador dos costumes e das idéias não tem missão menos austera que o historiador dos acontecimentos. Este tem, à superfície da civilização, as lutas entre as coroas, o nascimento dos príncipes o casamento dos reis, as batalhas, as assembléias, os grandes homens públicos, as revoluções à luz do dia, tudo que é exterior; o outro historiador tem o interior, o fundo, o povo que trabalha, que sofre e espera, a mulher oprimida, a criança que agoniza, as guerras surdas de homem para homem, as selvagerias obscuras, os preconceitos, as iniquidades consentidas, os contragolpes subterrâneos da lei, as evoluções secretas da alma, a comoção indistinta das multidões, os mortos de fome, os descalços, os nus, os deserdados, os órfãos, os desgraçados e os infames, todas as larvas que erram em meio às trevas (…) Esse historiador dos corações e das almas terá menos deveres que os historiadores dos acontecimentos? Por acaso, julgam que Alighieri tem menos coisas a dizer que Maquiavel? O Subsolo da civilização, por ser mais profundo e sombrio, é menos importante que a superfície? Uma montanha pode ser bem conhecida quando se ignoram como são suas cavernas? (…) Ninguém é bom historiador da vida patente, visível, palpável e pública se não for ao mesmo tempo, em certa medida, historiador da vida íntima e secreta”. (HUGO, p.883)

Não é por acaso que escolhi esse trecho (não diga!!!). Se imaginarmos que o estudo da História – até a metade do século XX – esteve restrito ao estudo dos grandes acontecimentos e aos heróis do Estado, e que somente há alguns anos – principalmente a partir da década de 80 – a dimensão simbólica da vida humana vem sendo analisada como fonte histórica, e descobrir em Victor Hugo um defensor desse tipo de postura tão “recente” ao estudo histórico já no século XIX, foi, para mim, mais do que um achado, mas um motivo para admirá-lo, notificá-lo e aplaudi-lo, aqui no blog (?…).

A escola pioneira que forneceu o instrumental propício para tratar dessas novas questões e dimensões (diga-se, paradigma histórico), foi a escola francesa dos Annales; ou melhor, “A Escola dos Annales”. Os analistas trouxeram à tona a história dos marginais, das prostitutas, dos pobres, dos loucos; trouxeram questões sobre a memória e mentalidade; noções de história estrutural e conjuntural; mas, principalmente, deram voz aos silenciados e esquecidos. Essa corrente histórica teve, e tem, como maiores expoentes: Lucien Febvre, Marc Bloch, Fernand Braudel, Jacques Le Goff, Roger Chartier, etc.

Preciso pesquisar mais sobre isso. Mas não tenho dúvida que gênios como os historiadores supracitados se inspiraram – e muito – no literato francês, Victor Hugo. Vou pesquisar, e volto com respostas (espero).

Onde Victor Hugo “errou”:

“Retroceder é tão impossível às ideias como aos rios”. (HUGO, p.869)

Defensor ferrenho da Revolução Francesa (1779-1789), Victor Hugo, em muitos trechos da obra pareceu silenciar, propositadamente, diante do Terror que foi propagado durante e após o14 de julho de 1789.

Na extensa obra, Os Miseráveis, mais do que rica nos detalhes narrativos, Victor Hugo enriquece sua estória com reflexões que perpassam a filosofia, sociologia, lingüística, e, claro, a História. No trecho supracitado o autor “tenta” nos convencer de que após a Revolução Francesa o germe inserido no povo, e as novas “ideias” pregadas durante esse evento, foi tão forte no coração da sociedade francesa, que seria impossível retroceder “àquilo que não é mais”. Para Hugo, a partir do momento que a revolução engendra novos valores/ideias à sociedade, as possibilidades de que esses valores antigos e obtusos tomem novamente o seu “lugar” usurpado, torna-se impossível e impraticável.

Quando Hugo começa a apresentar essa reflexão, ele tenta nos convencer de que essa afirmação – “Retroceder é tão impossível às ideias como aos rios” – se enquadra em “qualquer” situação – e não somente às revoluções e, especificamente, à Francesa. Seguindo essa lógica, Victor Hugo dá início a análise do “ideal moderno”, e nele – o ideal – enxerga a pedra angular, o caminho certo, o ponto de apoio, para se chegar à civilização. Vejam o que ele escreve:

“O ideal moderno tem seu tipo na arte e seu meio na ciência. É pela ciência que se realizará a visão augusta dos poetas: óbelo social. O Éden será reconstruído por a + b. No ponto em que chegou a civilização, o exato é um elemento necessário do esplêndido, e o sentimento artístico é, não somente servido, mas completado, pelo órgão científico; o sonho deve saber calcular. A arte que conquista deve ter como ponto de apoio a ciência que caminha. Deve-se atender à solidez do meio de transporte. O espírito moderno é o gênio da Grécia, tendo como veículo o gênio da Índia; Alexandre montado num elefante”. (HUGO, p.1090)

Em um post que fiz sobre a obra Contraponto, de Aldous Huxley, tentei justamente entender essa modernidade que avançou de forma tão rápida e violenta. https://catalisecritica.wordpress.com/2010/04/02/contraponto-aldous-huxley/

Não concordo com o raciocínio de Victor Hugo (Walter Benjamim, também não) ao enxergar no “moderno” o caminho ideal para se chegar no civilizado, na “igualdade, liberdade e fraternidade”. A História está aí para provar o quanto essa lógica, esse sonho, esse pensamento é/foi tão equivocado (lembrete: essa lógica de Hugo é a lógica do seu tempo: o tempo das luzes).

Esse tema daria muito pano para manga, por isso eu prefiro encerrá-lo por aqui. Espero que vocês opinem e escrevam suas “críticas” a respeito do “Retroceder é tão impossível às ideias como aos rios” e “O ideal moderno”.

Onde ele DEFINITIVAMENTE ACERTOU:

“O livro que o leitor tem sob os olhos neste momento é, do princípio ao fim, no seu conjunto e nos seus pormenores, sejam quais forem as intermitências, as exceções ou os desfalecimentos, a marcha do mal para o bem, do injusto para o justo, do falso para o verdadeiro, da noite para o dia, do apetite para a consciência, da podridão para a vida, da bestialidade para o dever, do inferno para o céu, do nada para Deus. Ponto de partida: a matéria; ponto de chegada: a alma. Hidra no princípio, anjo no fim”. (HUGO, p. 1091)

Os Miseráveis – II Parte

Cheguei à página 550.

Para além da ótima literatura, Os Miseráveis, de Victor Hugo, está funcionando (no mínimo, para mim) como um grande exemplo de estudo e pesquisa de caso e exemplo de erudição simplificada.

Da mesma maneira que no belo O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, Victor Hugo recheia seu livro com várias referências e notas de rodapé, com o intuito de inserir-nos no contexto e para nos demonstrar que é preciso ir além da obviedade. Acredito que, mais do que saber escrever bem, é preciso procurar ser erudito. Espero que você, leitor, não confunda “erudição” com “bom gosto” (mesmos que em muitos casos isso seja verdade). Erudito é aquele que tem amplo conhecimento de vários assuntos. Não, ele – o erudito – não é “somente” uma enciclopédia ambulante que “guarda” diversas modalidades de disciplinas do conhecimento humano, ele é aquele que, para além de preservar no seu íntimo o conhecimento, sabe utilizar com ciência e crítica, sua “bagagem” com o objetivo de chegar ao resultado final. Victor está me mostrando isso perfeitamente. O autor consegue demonstrar uma enorme genialidade em conseguir intercalar, condensar e subjetivar, várias modalidades de temas, mas tudo isso direcionando para seu estudo de caso, a Miséria humana. Sua narrativa não fica presa ao romance; não, sua estória perpassa a filosofia, psicologia, História, Geografia etc.

Para alcançar à erudição é preciso (claro) mais do que boa vontade e empenho. É preciso tempo e perseverança. Procurar mais e mais é um caminho árduo, mas necessário (acredito) para aquele que pretende “quem sabe um dia” escrever e fazer parte, oficialmete, da Literatura.

Ler Os Miseráveis está sendo gratificante e edificante. Leiam, pois vale muito a pena.

Os Miseráveis – I Parte

Quem me conhece sabe que tenho o costume de andar com um livro a tiracolo. Acho interessante fazer isso, porque a todo instante posso dar uma lida – adiantar minha vida como leitor. Contudo me pus em um dilema quando terminei O Idiota: chegou o momento de ler Os Miseráveis, e agora?  Você pode não ter entendido essa questão. Explico. Para quem conhece Os Miseráveis, de Victor Hugo, – obra que recebi de presente do meu irmão Leonardo – sabe que o livrinho é gigantesco e que, na maioria dos casos, é dividido em duas, três, até quatro partes; contudo o presente supracitado veio em um único volume de aproximadamente 1300 páginas. Entenderam o dilema? Ficou inviável andar por aí com “tanta página”. Foi então que me veio uma luz: ler outro livro. Não, não estou dizendo que pretendia quebrar a seqüência dos dez livros estipulados por mim (acessar post Livros para Ler/Reler), mas simplesmente ler Victor Hugo somente no conforto do meu lar; já o outro livro – nesse caso o Caso Contado à Sombra do Mercado, de Mario Ribeiro da Cruz – carregá-lo comigo para, então, lê-lo no DAA, ou nos ônibus da vida. Sabido do dilema vamos tratar do que nos interessa: os livros.

A primeira vez que tive contato com Os Miseráveis foi num pequeno livro/resumo – o qual não li; embora lido pelo meu irmão Edu –, que tem como dono meu irmão mais novo. Assim que ele terminou a leitura – empolgado com o nome do personagem, Jean Valjean,  e a sua estória, do homem que ficou 15 anos preso devido ao roubo de um mísero pão -, fez uma pesquisa sobre o romance, constatando que, o que ele tinha acabado de ler, não passava de um super- resumo (livrinho constituído de, no máximo, 150 páginas). Desde essa descoberta (e isso faz muito tempo) ele vivia repetindo “vou comprar a obra completa”, ou então, “vou pegar em alguma biblioteca”. Não realizando nenhuma coisa nem outra, ficou por isso mesmo; até que o “velho Leonardo” resolveu comprar a “bendita” obra.

Comecei a ler faz 2 dias, e o que tenho a dizer? Primeiramente: grande surpresa. Imaginei que a obra iria ficar relatando a vida de Jean Valjean durante os 15 anos nas galés, para então passar para o momento que ele fica rico e… Mas não. Cheguei a página 230 e, não somente conheci o personagem principal, mas pude conhecer outras histórias tão emocionante quanto. Personagens como Myriel, Bispo de Digne, e sua caridosa presença; Fantine, e sua triste – embora bela – estória de luta e total entrega a filha, Cosette; Javert… Mais do que uma ótima leitura, um estudo filosófico e religioso (não tenho duvida alguma que Victor Hugo buscou inspiração em Confissões, de Santo Agostinho, para construir Myriel); uma batalha contra o preconceito e injustiça.

E quanto ao Caso contado à sombra do Mercado? Bem, antes de qualquer coisa: Vocês já assistiram ao filme Narradores de Javé, de Eliane Caffé? Se não, assistam. Se não leram, leiam. Caramba! tudo é muito parecido e divertido – além de muito inteligente é claro. Estou logo no início, mas já guardei um trecho impecável:

Nessa situação o autor está se referindo a política no tempo da República Velha (1889-1930) e suas características peculiares. Sobre a corrupção e os currais eleitorais, disse o autor:

“Espiritismo existe desde aquele tempo. Aquilo, sim. É que era a verdadeira democracia – votavam os vivos, os mortos e os que estavam por nascer. Sempre ganhava a eleição o coronel mandão que possuísse o curral mais cheio de eleitores de cabresto”. (pág. 41)

9 Respostas para “Os Miseráveis – Victor Hugo

  1. Reinaldo e suas crases extraterrestres…
    Caso contado à sombra do mercado é um livro daqueles de valor afetivo para mim. Apesar de os contos se passarem no interior de Minas Gerais, mas é tudo muito sertanejo, muito parecido com o que a gente imagina aqui. Eu lia o livro (na primeira vez que li) e ficava me imaginando em Paripiranga, em algum em algum lugar que pudesse ser o mercado, imaginava alguma das farmácias, visualizava cada cena… O “causo” do enterro da menina, eu imaginava o caminho até a casa de vovó…
    Um livro pra quem já viveu no sertão sentir um pouco de nostalgia. Pra quem é naturalmente da cidade, ao ler, vai sentir aquela “saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi”.
    Os Miseráveis é um “must read”, mas na minha lista está bem longe…

  2. Excelewnte a piadinha com o espiritismo de cabresto. Genial até!
    A justificativa para o não-transporte do livro também foi excelente. Gostei particularmente do “quem me conhece”, que vem se tornando um jargão defensivo para alguns de meus erros recorrentes em textos confesisonais de ‘blog’…

    Li o comentário antes do texto e lá fui eu atrás da E.T. craseado. Por sorte, dá para encontrá-lo logo e voltar ao conteúdo pungente de tua crise, que eventualmente se manufesta sobre mim também, mas de outra forma, ou sob outras formas, mais cilíndricas, mais numéricas, já que costumo carrgear trambolhos e mais trambolhos de filmes todos os dias…

    (risos)

    “Conforto do lar”: às vezes, ler em minha casa é tão complicado… Gente brigando, aparelhos de som altissonantes na rua… clima periférico demais para alguém com a atenção tão promíscua quanto a minha.

    De resto…
    Veja A HISTÓRIA DE ADELE H.. Eu suplico!

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  3. Ah, e a saudade que teu irmão relatou é constante em minha vida de descobertas rurais atuais… Sempre fui um suburbano muito cosmopolita, conforme te confessei, caro Reinaldo, ao relatar os eventos que me cerceram em Belo Horizonte…

    Antes de morrer, ainda realizo meu sonho de viver numa chácara …

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  4. Ainda está longe a minha pretensão em ler este catatau literário, mas já li muito sobre este tal “silêncio” em relação ao terror, de outras bocas que não a do meu amado suicida Benjamin!

    Ave a História!

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    • PS: ERRAR talvez seja um verbo muito forte, mas receio concordar neste sentido contigo… E o contraponto com a postagem sobre “Contraponto” foi muito bem-sacada. Terminadas as minhas aulas, favor trazer este livro para que eu deslumbre-me também!

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  5. Essa do “retroceder é impossível” lembrou-me da nossa tenra infância, em que nosso ideal de filmes nos era apresentado por um tio que gostava de artes marciais… Naquela época, em que a única possibilidade de se assistir a algum filme (para nós, claro) era vê-lo passar na globo, criavam-se mitos sobre determinados filmes, e lembro que eu ficava sonhando com a possibilidade de que eu fosse presenteado com aquela película numa noite de “Temperatura Máxima”. Um dos grandes filmes, para esse meu tio, era o “Retroceder Nunca, Render-se Jamais”, com o inefável Van Damme, o mais expressivo ator de sua geração (kkk). “É um dos melhores filmes que existem”, dizia ele.
    Tirando a graça de lado, eu, particularmente, por acreditar no Eterno (em Deus, único Eterno), preciso acreditar que as coisas vêm e vão. Assim, se há uma coisa imutável e todas as outras (suas criaturas), mutáveis, é natural que essas criaturas se distanciem de Deus e voltem para ele. Acredito que em relação ao progresso tecnológico não há o que se discutir. Só um cataclisma, um armagedon (sem Bruce Willis, por favor) que destruísse quase tudo e deixasse uns poucos sobreviventes reduzidos à condição de coadjuvantes de Mad Max 3 poderia fazer o homem voltar à idade da pedra polida. Mesmo assim, ele não teria que redescobrir tudo. Teria apenas que conseguir reconstruir, o que é algo bem diferente.
    Mas no tocante aos valores, acredito sim que a oscilação – perto de Deus, longe de Deus – altera muito o que é considerado ético, moral, o que é bem e o que é mal. Só assim para eu ser otimista. Crer que uma geração boa vai se reerguer. Quando você olha tanta injustiça, tantas aberrações, tanta violência, tanta coisa ao avesso, é necessário acreditar que Victor Hugo estava errado e que é possível, graças ao livre arbítrio da humanidade, reconhecer, com o tempo, que determinados caminhos não foram os mais adequados.
    Na vida real, para enfrentar seus nêmesis, você não vai poder contar com a sabedoria de Bruce Lee dizendo em qual costela bater…

  6. Pingback: Melhores Momentos – 2010 – Reinaldo | Catálise Crítica

    • Prazer, Fabiana. Volte sempre aqui no blog.

      Posso não, jovem. Foi um presente do meu irmão, Leonardo. E essa edição é linda. A mais bonita, na minha humilde oponião.

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